terça-feira, 2 de novembro de 2010

NOVAS REFLEXÕES SOBRE A PRESCRIÇÃO DE OFÍCIO NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

NOVAS REFLEXÕES SOBRE A PRESCRIÇÃO DE OFÍCIO NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 
Mauro Schiavi1 
                       Segundo Pontes de Miranda2, “a prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo  tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação. Serve à segurança e à paz públicas, para  limite temporal à eficácia das pretensões e das ações”.
                       Sob o prisma do Novo Código Civil (lei 10406/02), destaca Carlos Roberto Gonçalves3, “o novo Código Civil, evitando essa polêmica, adotou o vocábulo ‘pretensão’ para indicar que não se trata do direitos subjetivo público abstrato de ação. E, no artigo 189, enunciou que a prescrição se inicia no momento em que há violação do direito”.
                       Continuando, Carlos Roberto Gonçalves4 menciona que “hoje predomina o entendimento na  moderna doutrina, de que a prescrição extingue a pretensão, que é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. O direito material, violado, dá origem à pretensão (CC, art. 189), que é deduzida em juízo por meio da ação. Extinta a pretensão, não há ação. Portanto, a prescrição extingue a pretensão, atingindo também a ação. O instituto que extingue somente a ação, conservando o direito material e a pretensão, que só podem ser opostos em defesa) é perempção”.
                       Atualmente, com a entrada em vigor do parágrafo 5o do artigo 219 do CPC5, que revogou o artigo 194 do CC6 a prescrição pode ser conhecida de ofício pelo Juiz de Direito. Desse modo, independentemente de requerimento do réu, a prescrição pode ser reconhecida pelo juiz em qualquer grau de jurisdição.
                       Inegavelmente, com o conhecimento de ofício pelo juiz da prescrição, esta ganhou contornos de matéria de ordem pública e interesse social, de modo que a prescrição deixa de ser um instituto renunciável, para adquirir contornos de irrenunciabilidade, destacando o caráter publicista do processo.
                       Nota-se que o legislador, motivado pelos novos rumos da celeridade e efetividade processual, priorizou a segurança e estabilidade das relações jurídicas,  bem como com a tranqüilidade do devedor, em detrimento do titular da prescrição.
                       Como destaca Luciano Athayde Chaves7, “o atual desenho da prescrição no plano processual , como matéria afeta à defesa indireta contra o mérito da causa, apresenta-se como mais uma demonstração da tendência publicista que se incorpora à atuação jurisdicional, atribuindo ao Juiz um papel mais ativo na composição dos conflitos”.
                       Pode-se questionar o acerto do legislador em alterar a natureza jurídica da prescrição para matéria de ordem pública, pois a prescrição é um instituto que beneficia o réu, pode ser renunciada, ainda que tacitamente, é matéria de mérito (artigo 269, IV, do CPC) e, portanto, deve ser invocada em defesa, pode em determinadas hipóteses legais, sofrer suspensão e interrupção. Além disso, pode-se até invocar o fato de quebra da imparcialidade do juiz ao pronunciar de ofício a prescrição, aniquilando a pretensão do autor e por via reflexa o próprio mérito.
                       Mesmo sendo aplicável de ofício a prescrição pelo juiz de direito, acreditamos que ele deva tomar algumas cautelas ao tomar tal providência. Acredito que deva propiciar o contraditório e observar as hipóteses de interrupção e suspensão da prescrição, bem como se o direito for patrimonial disponível, tentar a conciliação, uma vez que a finalidade do processo, diante do seu caráter publicista de ser um instrumento de pacificação social, sempre que possível, deve o juiz tentar a conciliação, objetivando a pacificação do conflito, ao invés de aplicar, de forma incisiva a legislação processual.
                       Não obstante os argumentos acima destacados, diante da clareza do parágrafo 5º, do artigo 219, do CPC, não há como de negar que a prescrição adquiriu contornos de matéria de ordem pública.
                       Com a mudança do CPC, a prescrição de ofício pode ser pronunciada pelo Juiz do Trabalho?
                       Talvez esta seja uma das questões mais polêmicas tanto do Direito Material com do Processual do Trabalho da atualidade.
                       Em trabalho anterior, com suporte nas primeiras manifestações da doutrina a respeito, e das primeiras reflexões a respeito, sustentamos a possibilidade do Juiz do Trabalho pronunciar de ofício a prescrição, pelos seguintes argumentos8:
                       a)no processo do trabalho não se aplica o princípio da irrenunciabilidade de direitos; b)a prescrição ganhou contornos de matéria de ordem pública e interesse social; c)a CLT é omissa a respeito do momento em que se deve pronunciar a prescrição e quem pode invocá-la, restando aplicáveis as regras do CC (artigo 8º, da CLT e do CPC (artigo 769, da CLT); d)embora a prescrição tenha natureza jurídica de mérito e pertença ao Direito Material, é a lei processual que deverá dizer o momento de sua alegação em juízo; e)se, em razão da natureza irrenunciável do crédito trabalhista, não se puder invocar a prescrição de ofício, também não poderemos aplicar a decadência, diante das similitudes entre os dois institutos9, já que a prescrição fulmina a pretensão e a decadência o próprio direito;f)há compatibilidade da norma processual civil com o processo do trabalho, pois a CLT é omissa e não há violação dos princípios que regem o Direito Processual do Trabalho, restando aplicável o artigo 769 da CLT10.
                       Após muita reflexão a respeito, e estudos mais aprofundados sobre o tema, estamos convencidos de que o juiz do trabalho não deve pronunciar de ofício a prescrição.
                       Com efeito, primeiramente, destaca-se que a prescrição tem natureza híbrida, pois se entrelaça tanto o direito material como o processual do trabalho. Embora, hoje, o conceito de prescrição esteja vinculado à extinção de uma pretensão, tal efeito provoca a inexigibilidade do direito, acarretando a extinção do processo com resolução de mérito.
                       Em tendo o instituto contornos de Direito Material, a interpretação da prescrição no Direito Material do Trabalho não pode estar divorciada dos princípios do Direito Material do Trabalho, dos quais se destacam os da proteção tutelar e irrenunciabilidade de direitos.
                       Ensina  Américo Plá Rodriguez11 que o fundamento do princípio protetor “está ligado á própria razão de ser do Direito do Trabalho. Historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como conseqüência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder  e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive as mais abusivas e iníquas. O legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável. O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar desigualdades. Como dizia Couture: ‘o procedimento lógico de corrigir desigualdades é o de criar outras desigualdades’”.
                       Quanto à irrenunciabilidade de direitos, este princípio impede que o trabalhador abandone um direito de forma definitiva que já está incorporado ao seu patrimônio jurídico.
                       Deve ser destacado que o processo do trabalho e o judiciário trabalhista têm por finalidade e função institucional dar efetividade aos direitos trabalhistas e garantir a dignidade da pessoa humana do trabalhador, bem como facilitar o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho.  Estes fatores que são a razão da existência da Justiça do Trabalho impedem que a prescrição seja pronunciada de ofício pelo Juiz do Trabalho.
                       Por outro lado, embora o Direito do Trabalho e o Processo do Trabalho sempre tenham se valido tanto do Código Civil (artigo 8º, da CLT), como do Código de Processo Civil (artigo 769, da CLT), para disciplinar as hipóteses de interrupção, suspensão e até o momento da alegação da prescrição pelo demandado, esse argumento não autoriza que o parágrafo 5º do artigo 219 do CPC seja automaticamente aplicável ao Processo do Trabalho, pois embora a CLT, aparentemente, não discipline tais questões, há necessidade de uma filtragem prévia pelo juiz acerca da compatibilidade de tal instituto com os princípios que regem o Direito Processual do Trabalho e o Direito Material do Trabalho.
                       Além disso, o reconhecimento da prescrição, de ofício, pelo juiz do trabalho, não propicia a melhoria da condição social do trabalhador12, previsto no “caput” do artigo 7º, da CF13. Vale lembrar, que a prescrição é um direito social da classe trabalhadora previsto no inciso XXIX do artigo 7º, da Constituição Federal. Parece haver uma antinomia entre o “caput” do artigo 7º, da CF e seu inciso XXIX, pois a prescrição extingue direito, e se extingue, como se trata de um direito?. Considerando-se os princípios da interpretação constitucional da máxima efetividade e da unidade da Constituição, o fato da prescrição constar no rol dos direitos sociais do trabalhador, significa dizer que esse prazo não pode ser reduzido por lei ordinária e até mesmo por Emenda Constitucional, pois trata-se de uma garantia fundamental do trabalhador.
                       No nosso sentir, além dos argumentos principiológicos acima mencionados, há um dispositivo previsto na CLT que pode impedir o alento subsidiário do parágrafo 5º do artigo 219, do CPC. Trata-se do parágrafo 1º do artigo 884, da CLT que tem a seguinte redação:  “a matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida”. Embora o referido dispositivo se referia aos embargos à execução e à fase de execução, pode ser transportado para a fase de conhecimento por meio da interpretação analógica e se afirmar, no Processo do Trabalho, por força do citado dispositivo consolidado, a prescrição depende de iniciativa do demandado, não havendo lacuna na legislação, o que impediria a aplicação do parágrafo 5º do artigo 219 do CPC.
                       Por derradeiro, ao aplicar a lei, o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se destina e às exigência do bem comum (artigo 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Ainda que se possa sustentar que há compatibilidade entre o parágrafo 5º do artigo 219 do CPC e o Direito Processual do Trabalho, acreditamos que o juiz do trabalho possa deixar de aplicá-lo, por ser socialmente inadequado e injusto, considerando-se os princípios do Direito Material e Processual do Trabalho. Como destaca Vicente Ráo14, sem dúvida casos ocorrem nos quais o juiz pode se encontrar diante de lei manifestamente injusta, à qual não corresponde às condições sociais do momento e cuja aplicação rígida possa causar dano à ordem pública ou social. Nessa hipótese, melhor será considera-se a lei inadaptável ao caso concreto, por dissonância com os elementos de fato e socorrer-se para a solução do conflito, das demais fontes do direito.
                        CONCLUSÕES 
                       Diante da redação dada ao parágrafo 5º do artigo 219 do CPC, pela Lei 11.280/2006, a prescrição ganhou contornos de matéria de ordem público, devendo ser reconhecida de ofício pelo Juiz de Direito.
                       Mesmo sendo aplicável de ofício a prescrição pelo juiz de direito, acreditamos que ele deva tomar algumas cautelas ao tomar tal providência. Acredito que deva propiciar o contraditório e observar as hipóteses de interrupção e suspensão da prescrição, bem como se o direito for patrimonial disponível, tentar a conciliação, uma vez que a finalidade do processo, diante do seu caráter publicista de ser um instrumento de pacificação social, sempre que possível, deve o juiz tentar a conciliação, objetivando a pacificação do conflito, ao invés de aplicar, de forma incisiva a legislação processual.
                       O parágrafo 5º do artigo 219 do CPC não se aplica ao Direito Processual do Trabalho pelos seguintes argumentos:
                       a)Incompatibilidade com os princípios que regem o Direito Material e Processual do Trabalho, máxime os princípios protetor, da irrenunciabilidade e da melhoria da condição social do trabalhador;
                       b)reconhecer a prescrição de ofício é socialmente inadequado e também injusto no Processo do Trabalho;
                       c)existência de regra expressa na CLT (parágrafo 1º do artigo 884, da CLT).